O vírus HIV tem como alvo células do sistema imune chamadas linfócitos T auxiliares CD4+. Essas células são componentes centrais do sistema imunológico, sendo responsáveis por iniciar e orquestrar a resposta do organismo a infecções. Quando os linfócitos T auxiliares CD4+ estão deficientes, toda a resposta imune fica comprometida. O termo “CD4+”, que dá nome a esse tipo de linfócito, se refere a uma proteína presente na membrana dessas células. A função dessa proteína é auxiliar o linfócito T CD4+ nas suas comunicações com as outras células do sistema imune, atuando como um sinalizador que divulga rapidamente e alerta as demais células sobre um perigo iminente.
Quando ocorre a infecção pelo vírus HIV, este infecta os linfócitos T auxiliares CD4+. Para infectar essas células, entretanto, o HIV precisa abrir as portas de entrada celulares; ou seja, interagir com proteínas de membrana do linfócito. Como esses linfócitos são muito importantes para o sistema imune, suas portas de entrada são trancadas com várias fechaduras. Assim, para conseguir entrar, o vírus HIV precisa abrir todas as fechaduras. Mesmo que ele consiga abrir a fechadura tetra (a proteína CD4), a porta continuará fechada se ele não conseguir abrir a fechadura comum (a proteína CCR5).
A proteína CCR5 está presente na membrana dos linfócitos T auxiliares CD4+ e de algumas outras células e também está envolvida no processo de comunicação intercelular. Alguns micro-organismos, entre eles a maioria das cepas de HIV, usam a fechadura CCR5 para abrir as portas de entrada da célula. Algumas pessoas, entretanto, têm uma mutação no gene que codifica a proteína CCR5. Nesses casos, a proteína CCR5 tem um pedaço faltante (deleção Δ32), então essa fechadura é um pouco diferente e impede que os micro-organismos usem suas chaves moleculares para entrar nas células. Como essa deleção é hereditária, algumas pessoas podem ter parte (heterozigotos) ou o total de suas fechaduras CCR5 alteradas (homozigotos mutados).
Estudos de genética evolutiva mostraram que a deleção Δ32 surgiu no norte da Europa cerca de 1.200 anos atrás e foi disseminada pela continente europeu pela população Viking. A pressão evolutiva das epidemias de varíola, que eram comuns na Europa desde a era a. C., selecionou os indivíduos que tinham a deleção Δ32 e eram resistentes à infecção pelo vírus da varíola. Como epidemias de varíola continuaram a ocorrer até a segunda metade do século 20, afetando incisivamente os países escandinavos, a pressão seletiva fez com que hoje cerca de 10% dos indivíduos de origem europeia tenham a deleção Δ32 no gene CCR51.
Na busca por novas abordagens terapêuticas e desenvolvimento de uma vacina para proteção ao HIV, dois grupos de pessoas chamaram a atenção dos pesquisadores: aquele que, apesar de soropositivo, apresentava evolução muito lenta ou inexistente da doença; e aquele que, apesar das exposições sucessivas à infecção, permanecia soronegativo. O estudo genético desses indivíduos sugeriu que a deleção Δ32 no gene CCR5 estaria associada tanto com o padrão lento de evolução da infecção por HIV (para os indivíduos heterozigotos)2, 3 quanto com a resistência natural à infecção (indivíduos homozigotos mutados)2, 4. Essa hipótese foi confirmada com o caso do “paciente de Berlin”. Timothy Brown, americano residente em Berlin, foi diagnosticado com HIV em 1995 e em 2007, durante a terapia antiretroviral, desenvolveu leucemia mieloide aguda. Como precisava de um transplante de medula óssea, seus médicos selecionaram um doador que, além de ser imunogeneticamente compatível, era homozigoto mutado para a deleção Δ32 no gene CCR5. Hoje, cinco anos após o transplante, Timothy foi curado da leucemia e declarado como o primeiro caso de cura funcional da infecção por HIV5. Com base nessas descobertas, a indústria farmacêutica desenvolveu uma nova família de drogas antiretrovirais, os antagonistas de receptor CCR5 (como o maraviroc). Além disso, estão em curso estudos que usam o gene CCR5 como alvo para imunoterapia6, terapia gênica7 e vacinas8.
O laboratório Genoprimer desenvolveu um teste para detectar a deleção Δ32 no gene CCR5. O teste é útil para que o infectologista possa prospectar o potencial padrão de evolução clínica da infecção e possa, junto com o paciente, elaborar um plano de tratamento adequado. Outra aplicação importante do teste é como ferramenta para o aconselhamento e gestão de risco em casais sorodiscordantes. Entre em contato conosco para esclarecer eventuais dúvidas.
Referências Bibliográficas:
1. Galvani, AP, Slatkin, M. Evaluating plague and smallpox as historical selective pressures for the CCR5-32 HIV-resistance allele. PNAS 2003, 100(25): 15276-15279.
2. Hogan CM, Hammer SM. Host determinants in HIV infection and disease. Part 2: genetic factors and implications for antiretroviral therapeutics. Ann Intern Med 2001, 134(10):978-96.
3. Huang Y et al. The role of a mutant CCR5 allele in HIV-1 transmission and disease progression. Nat Med 1996, 2(11):1240-3.
4. Liu R et al. Homozygous defect in HIV-1 coreceptor accounts for resistance of some multiply-exposed individuals to HIV-1 infection. Cell 1996, 86(3):367-77.
5. llers K et al. Evidence for the cure of HIV infection by CCR5Δ32/Δ32 stem cell transplantation. Blood 2010, 117 (10): 2791–2799.
6. Krowka, JK et al. Immunotherapy for HIV. The Lancet 1997, 349(9049): 434.
7. Nazari, R, Joshi, S. CCR5 as target for HIV-1 gene therapy. Curr Gen Ther 2008, 8(4): 264-72.
8. Lopalco. L. CCR5: from natural resistance to a new anti-HIV strategy. Viruses 2010, 2(2): 574-600.